sábado, 25 de fevereiro de 2012

Hosin sul #3: cuidado com a rigidez



Nossas técnicas, ou a maneira como as praticamos, são coerentes com a realidade?     

Nas últimas postagens, retratamos um pouco de Hosin sul (護身術; 호신술) - método, ou arte, de proteção da vida. Trata-se de algo que pode ser entendido no âmbito do antecipar ou do remediar; da estratégia ou da ação; da tática ou da técnica.  Um campo fértil a discussões.


Por hoje, foquemos a questão do remediar: aquela situação que não foi devidamente antecipada e que evoluiu até um confronto. 

Como costuma ser nosso modelo de prática para dar conta de situações onde lutar é iminente? Existem meios de repensar, melhorar e adaptar tal modelo sempre para melhor? Ou, será que convém apenas repetir a mesma coisa invariavelmente...?






Defesa pessoal com Carrey 


Para avançarmos na reflexão, deixo um divertido vídeo de Jim Carrey mostrando, talvez, o que nunca se deve fazer na defesa da vida. Com leveza e humor ele acaba nos brindando com uma situação digna de análise e útil a qualquer artista marcial: conseguem identificar um possível equívoco cometido pelo personagem de Carrey? Atentemos:








"You attacked me wrong!" (você me atacou errado!), dizia Carrey, ao tentar convencer sua agressora de que o insucesso da técnica estava no fato de ela ter atacado - que incrível! - de maneira "pouco ortodoxa"!!! Depois de várias tentativas frustradas, ele finalmente aplica a  técnica (não sem antes convencer sua agressora a se mover qual um robô).

A comédia é fascinante. Note que Carrey não teve recursos para adaptar sua técnica ao contexto imposto pela agressora; logo, tratou de adaptar a realidade da agressora para servir à sua técnica. E então... Seria isso coerente? Seria-nos viável, do ponto de vista da defesa real? 



Por isso, vale questionarmos: a maneira como estou praticando tal habilidade... É efetiva? Atende às demandas de uma situação real? É dinâmica e adaptável? Em suma: estou praticando de modo coerente com a realidade que me cerca, ou estou apenas me prendendo a um determinado conjunto pré-estabelecido de técnicas?







A qual nos adaptamos, e qual podemos adaptar: modelo de prática x demandas do cotidiano 


O nosso modelo de prática de Hosin Sul deve atender a demandas reais, ao passo que estas sinalizam como alterar, adaptar e melhorar o próprio modelo de treinamento. Ambos aspectos devem estar em harmonia: desenvolvimento técnico-tático para responder à realidade; e observação da realidade atendendo à evolução dos modelos de prática. 






Para refletir mais 


O sábio Taoista Lǎozi (
老子), comparava a flexibilidade à vida abundante; ao passo que seu oposto, a rigidez, estaria associado à iminente decadência. ¹



Muitas vezes, prendemo-nos com demasiada rigidez a um conceito, a um modelo, a uma técnica, ou a uma forma fixa de prática. Outras tantas, somos incapazes de nos questionar, soltar os pesos do apego, romper com os grilhões da inércia e avançar rumo a novas situações, novas opções. Quando isso ocorre, minamos a utilidade daquele mesmo modelo ao qual tentávamos nos vincular. É como a água que logo se contamina e torna-se pútrida por ser privada de seu movimento natural; ou como um objeto que quebramos em nossas mãos, por segurá-lo com demasiada força: em tal caso, perde-se-lhe toda a utilidade.

Há momentos em que se faz preciso desconstruir para construir; ceder um passo para avançar dois; questionar um método para descobrir outro; atentar ao processo para encontrar a solução; abandonar um padrão fixo para agir de modo mais hábil e natural...

"A prática, quando devidamente assumida, não consiste em repetir os meios de se solucionar um problema motor momento após momento; mas, sim, (repetir) o processo de se resolver este problema de novo e de novo, através de técnicas que mudamos e aperfeiçoamos de repetição à repetição. (...) A Prática é um tipo particular de repetição sem repetição² (Bernestein, 1967).

"Repetição sem repetição". Pois é, um livro sobre aprendizagem motora capaz de soar um pouco zen. E então, será que conseguimos pensar em meios de levar essa fluidez e desprendimento à nossa prática? Buscar novas soluções para antigos problemas e não estancar jamais no lugar? Esse é só o começo de uma longa discussão; mas, já fica posto o desafio. Oxalá façamos melhor do que Carrey...







Notas: 


¹《道德經》:
人之生也柔弱,其死也堅強。萬物草木之生也柔脆,其死也枯槁。故堅強者死之徒,柔弱者生之徒。是以兵強則不勝,木強則共。強大處下,柔弱處上

² cf. "...practice, when properly undertaken, does not consist in repeating the means of solution of a motor problem time after time, but is the process of solving this problem again and again by techniques which we changed and perfected from repetition to repetition. ...Practice is a particular type of repetition without repetition."





Referências: 


Bernstein, N. (1967). The coordination and regulation of movements. New York: Pergamon.

《道德經中國哲學書電子化計劃 Chinese Text Project. Disponível em:<http://ctext.org/dao-de-jing/zh>

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